domingo, 27 de fevereiro de 2011

“Quer uma resposta pronta?”


Quem quer uma resposta pronta não encontra no cristianismo seu melhor caminho. Depois de seguir o eclesiastes em sua peregrinação existencial, peço licença para refletir sobre três dimensões da vida, três modos de viver. São a dimensão do problema, do paradoxo e da perplexidade, que me foram ensinadas por Osmar Ludovico. Estamos na dimensão do problema quando tentamos controlar o mundo e a vida como se fossem uma máquina com engrenagens a serem ajustadas ou modificadas. Estamos ainda acustumados a tratar a vida assim. Se o carro está com problema procuramos um mecânico. Se o problema é o pneu, procuramos o borracheiro. Se o coração não bate como deveria, procuamos o cardiologista. É simples. Esses profissionais sabem como a vida funcionam. Eles identificam o problema, trocam ou concertam a peça com defeito e tudo volta ao normal. Nem sempre o problema se resolve com uma peça nova ou um remédio. Se o problema é autoestima, só precisamos ouvir com atenção para identificar a emoção  danificada e propor rotinas mentais para restabelecer a ordem. Neste caso não há ferramentas, mas a idéia é a mesma: identificar a engrenagem faltosa e substituí-la. Por estarmos acustumados a essa dimensão, tendemos a tratar tudo da mesma maneira, colocando no mesmo saco carros com defeitos pneus furados, corações descompassados e emoções desvirtuadas. Problema identificado, prescrição feita, problema resolvido. Mas o mundo não tão simples assim. Na dimensão do paradoxo, percebemos que no mundo há verdades contraditórias – pelo menos na aparência – e que não se pode eliminar nenhuma delas. Por exemplo, a quem queira abrir mão da justiça de D´us e ficar com Seu amor. Há quem queira abrir mão do amor de D´us em favor de Sua justiça. Mas a Bíblia insiste que D´us é amoroso e justo, e não temos a opção de ficar com uma coisa ou outra. Em outras palavras coisas que parecem contraditórias precisam andar juntas. D´us perdoa e Sua Graça é abundante, mas isso não quer dizer que ninguém será jusgado e condenado. A Bíblia insiste que haverá condenados, apesar da Graça e do perdão de D´us. Parecem coisas contraditórias, mas ambas coexistem sem problemas dentro de D´us. É paradoxo. Na dimensão da perplexidade, é mais fácil compreender do que explicar. É muito natural compreender os efeitos de um beijo de amor, mas é muito difícil explicar os sentimentos e sensações. Por um lado a experiência é clara e bem definida. Por outro, a experiência não faz um ouvinte experimentar as mesmas sensações. A perplexidade é a dimensão em que há admiração, êxtase, alegria. Diante de um pôr do sol, de uma obra de arte ou da pessoa amada, não estamos lidando com problemas ou paradoxos. Estamos perplexos. Temos que aprender a viver nas três dimensões, e não em apenas uma delas.
A linguagem do problema é a linguagem do engenheiro, do físico e do matemático. A linguagem do paradoxo é a linguagem do filósofo, do teólogo e talvez até do psicólogo. E a linguagem da perplexidade do poeta, do amante, do afeto; é a voz do coração, do encantamento, do deslumbramento e do queixo caído. Algumas coisas podem ser organizadas e administradas na dimensão do problema, outras na dimensão do paradoxo, mas há coisas com as quais lidamos apenas na dimensão da perplexidade. Somente a fé nos faz caminhar entre os problemas, paradoxos e perplexidades sem muito risco.  O universo é inteligente porque D´us é racional, (duvido! comentário meu, Julio Vallim, mas continuemos) mas é preciso ter fé nessa racionalidade para compreender o cosmos. A vida está cheia de eventos aleatórios, e é preciso ter fé par conviver com o aleatório.
De que nos valemos na perplexidade? Da fé. Em que termos afirmamos em que obedecer os mandamentos de D´us é um caminho de vida? Nos termos da fé. Por que afirmamos que a Bílblia Sagrada é a revelação de D´us aos homens? Por causa de fé. Como dizemos que por traz de todo esse universo existe um D´us? Com base na fé.  Tenho a impressão que estamos sempre correndo, só para constatar o óbvio: só nos satisfazemos na vida vivendo em fé. Somente vivendo em fé, somos completos e experimentamos tudo o que a vida tem para nos dar. É por esse motivo que a Bíblia ensina que “ sem fé é impossível agradar a D´us”, pois é “ imprescindível que aqueles que O buscam creiam que Ele existe e que é bom” Heb. 11.6 Assim, vou viver e pensar e refletir de maneira humilde. Vou viver e me entregar à vida, mas pedir que D´us modere a minha coragem de viver. Vou viver, mas em temor a D´us e andando com reverência diante dEle. Vou viver e me submeter a Ele, mas de maneira inteligente com o que aprendo na Palavra. Vou viver e crer que, por trás de todas as realidades, há um D´us. É nesse caminho de fé que pretendo encontrar meu próprio caminho.
Resposta pronta é exigência de quem ainda tem medo de viver por fé. O Eclesistes não era medroso. O Eclesiastes não era covarde.
Fonte: “O livro mais mal-humorado da Bíblia” – Ed René Kivitz – Ed. Mundo Cristão.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

" O jegue e os livros "

Nem adianta perguntar pelo paradeiro do Manoel Ribeiro Filho por lá. Dificilmente alguém vai saber responder. Já do Barraca e suas proezas não há por ali quem não tenha ouvido falar. Nascido e criado em Auzilândia, lugarejo de quatro mil habitantes no meio do caminho para a Serra de Carajás, agora ele é famoso no lugar.
O apelido, naturalmente, é bem autoexplicativo. E foi conquistado a duras penas. Todo mundo tinha na ponta da língua alguma encrenca em que o moleque já se metera. Ele vivia às voltas com as drogas. E fugia como o diabo da cruz dos conselhos e sermões dos mais velhos.
O certo é que, nem entre os próprios amigos e familiares, não havia quem apostasse muita coisa pro futuro daquele menino rebelde, indisciplinado e com um boletim escolar de fazer dó, com as notas mais baixas da classe.
Só que um dia o Barraca mudou. Da água pro vinho.
Ninguém sabe ao certo como o milagre se deu. Uns dizem que o responsável por tudo foi um jegue, animal quase sagrado na vida do sertão. Outros, que foram os livros.
O caso é que certo dia a professora resolveu fazer um convite ao mais insolente de todos os seus alunos. E convocou Barraca a colaborar no novo projeto da escola. O menino teria que conduzir pelas ruas do povoado, semana sim semana não, um jegue. No lombo do animal, colocariam um jacá colorido, cheinho de livros. Eram livros para serem oferecidos e lidos pelas pessoas que estivessem passando na rua.
E quem é que teria que convencer as pessoas a ler?! Sim, justo ele que nunca fora dado aos livros, cadernos, quadro-negro, essas coisas...

Mas, por que não?!, assoprou, na mesma hora, em seu ouvido, o bichinho da dúvida - que, afinal, todo mundo tem o seu. Aquilo tudo, ele conclui, tinha cheiro de confusão na certa. Ele topou, é claro.
Com o jumento à frente, a festiva procissão dos livros saía, com toda pompa, à cata de possíveis e preguiçosos leitores. Em dado momento, eles espalhavam os livros pelo chão, sobre um lençol. Para conquistar um leitorzinho que fosse, valia tudo. - Quem quiser que pegue o seu! - gritava o camelô de livros emprestados.
Muitos, de fato, apanhavam o seu. E liam até. Sem uma biblioteca, uma livraria ou uma banca de jornal que fosse, esse era o único jeito de conseguir um livro por aquelas bandas.
A ideia logo pegou.
Mas um dia Barraca, solerte motorista da biblio-jegue (um dos tantos apelidos inventados pelo povo), estranhou que alguns daqueles homens e mulheres de mãos calejadas, cansados da labuta da vida, só folheavam. E, às vezes, folheavam de cabeça pra baixo.
Não sabiam ler, ele concluiu. E, pelo visto, não tinham nenhum orgulho disso. Principalmente quando estavam na frente dos netos pequenos.
Barraca - que, até então, batia no peito, orgulhosamente, para dizer que não lia mesmo por pura vagabundice - foi tocado, nessa hora, por um estranho sentimento de compaixão. Resolveu, então, dar uma mãozinha para esses. Pegou um desses livros com muitas figuras, letras grandes e poucas páginas e passou a ler para eles.
Quando se deu conta, já tinha tomado gosto pela coisa. E a vida dele, aos poucos, ia mudando. Daí a se tornar um contador de histórias - figura mítica que tem se multiplicado pelo país afora com espantosa rapidez - foi um pulo.
A primeira transformação é que Barraca passou a ser reconhecido nas ruas. Agora, por uma causa boa. Gostou disso. Quando a meninada o chamava de tio, ele se sentia importante, com sua autoestima lá no topete.
Em pouco tempo, se tornaria professor na alfabetização de jovens e adultos. Logo ele...
Hoje em dia, o Barraca já não existe mais. Deu lugar ao Manoel, cidadão de bem que vive no município de Vista Alegre do Alto, nos grotões do Maranhão. Que descobriu que, se ler para si pode ser uma atitude cidadã, ler para o outro é, sobretudo, um ato de amor.

Autor: Por Galeno Amorim
Contribuição: Hialmar d'Haese

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011