quarta-feira, 30 de março de 2011

Precisamos de craques assim: "A bola e o livro"


O sonho de Edward era ser jogador de futebol. Começaria, por certo, no seu glorioso Mirassol Futebol Clube e, depois, quem sabe, poderia jogar num time grande. Ou mesmo virar ídolo do escrete nacional... Sonho, enfim, era o que não faltava.
E por falta de treino é que não lhe escaparia a chance. Todo santo dia ele e um bando de garotos sem eira nem beira praticavam com fervor quase religioso, rumo à glória praticamente certa.Naquela metade de século 20, este era o sonho dele e de milhões de Edwards pelo ainda não País do futebol.
E, de certa forma, não deixa de ser verdade que foi graças ao futebol - ou, melhor, a uma partida de futebol - que a vida começou a dar uma guinada pra ele. Tudo começou naquele dia em que Edward, menino de não mais do que oito anos, participava de uma disputadíssima pelada no pátio da escola.
Até que em determinada altura da peleja um perna de pau qualquer dá um tremendo chutão. A bola vai parar lá longe. Escalado pra resgatar a preciosa, que se enfiara por uma maldita janela aberta, lá foi o jogador agora travestido de gandula. E o que viu, do outro lado, chamou a atenção de Edward. E tanto que ele jamais voltou para terminar a partida.Nunca aquele menino havia visto tanto livro junto. Aquilo, ele que não era bobo nem nada logo percebeu, era uma biblioteca. E, justo naquela hora, chegava à escola uma penca de livros novinhos em folha.

Edward pegou um deles por acaso - o título da obra era "A Banana que Comeu o Macaco", disso jamais ele se esqueceria pelo resto de sua vida. Em um ano, Edward leria nada menos do que 250 livros.
Aos poucos, também já escrevia melhor. Um dia, o professor mandou, sem que ele soubesse, um texto de sua autoria para participar de um concurso. E não é que o rapazote faturou o primeiro lugar?!
Edward passou a gostar cada vez mais dessa história de leitura. Abiscoitou um outro prêmio aqui, outro lá, e até passou a ganhar algum dinheiro com isso.
Um dia foi prestar concurso para o Banco do Brasil, disputado quase a tapa por jovens interessados numa carreira estável e respeitada. Só que, na hora da prova, ele tirou foi um belo dum zero em Contabilidade. Graças aos livros que se habituara a ler, conseguiu livrar a cara, com nota dez em todas as outras matérias. De novo os livros mudariam o rumo de sua vida: um dia Edward corrigiu, sem qualquer pretensão, a professora do Cursinho. Sua argumentação era tão consistente que a escola não teve dúvidas: demitiu a professora e contratou o aluno no lugar dela. Para dar conta das aulas de Latim na faculdade, o moço foi buscar ajuda em um sebo paulistano. Como o dinheiro era curto, fez vários resumos. Quando se deu conta, já tinha escrito seu próprio livro - o primeiro de uma longa série ainda por vir.
Edward e os livros pareciam mesmo fadados uns ao outro. E decidiu ir de vez atrás deles e abraçar a carreira de linguista. Acabou ficando famoso. Hoje em dia, não há faculdade de Letras no País que não estude ou não tenha como referência pelo menos uma obra de Semiótica e Linguística do professor Edward Lopes.
- A arte é eterna, mas a Ciência, não... - ele ensina.
A seleção brasileira de futebol pode ter perdido um talento incerto. Mas o País acabaria por ganhar um tarimbado craque das letras.

De Galeno Amorim

sexta-feira, 25 de março de 2011

A formação de discípulos (parte 2)


O mandato de Jesus Cristo é claro: “Fazei discípulos [...], ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.19, 20). Sabemos que o conteúdo do ensino sobre a formação de discípulos não é apenas teórico. Sem negar a importância da doutrina ou da teologia, a ênfase recai na prática do ensinamento de Jesus Cristo -- a prática da verdade. Com o batismo inicia-se um processo de transformação que abarca a totalidade da vida; um processo de aprendizagem do que significa a obediência ao ensinamento de Jesus Cristo, isto é, à vontade de Deus. Sem obediência à vontade de Deus, não há discipulado genuíno. Sob a perspectiva bíblica, a “ortopraxia”, a obediência a tudo o que Jesus ordenou a seus discípulos, é no mínimo tão importante quanto a “ortodoxia” -- se não for mais, já que sua meta é que os discípulos vivam em função do amor e assim sejam filhos do Pai que está nos céus, perfeitos, assim como ele é perfeito (Mt 5.45, 48).

Os discípulos de Jesus não se distinguem por serem meros adeptos de uma religião (um culto a Jesus), mas sim por terem um estilo de vida que reflete o amor e a justiça do reino de Deus. Portanto, a igreja não pode limitar-se a proclamar uma mensagem de “salvação da alma”: sua missão é fazer discípulos que aprendam a obedecer ao Senhor em todas as circunstâncias da vida diária, tanto no privado como no público, tanto no pessoal como no social, tanto no espiritual como no material. O chamado do evangelho é um chamado a uma transformação integral que reflita o propósito de Deus de redimir a vida humana em todas as suas dimensões. Uma transformação baseada no evangelho integral, ou seja, centrada em Jesus Cristo e orientada para o cumprimento do desejo de Jesus de que seus discípulos sejam “sal da terra” e “luz do mundo”.
Assim entendido, o discipulado tem um custo inevitável. E um aspecto desse custo é a renúncia a tudo o que interfere na lealdade absoluta a Jesus Cristo como Senhor. Ele mesmo definiu as condições do discipulado. E as definiu de tal modo que não deixou dúvida de que seu chamado é para um discipulado radical, que envolve uma obediência coerente com a vontade de Deus em todas as áreas da vida, desde as relações familiares até as posses materiais (ver Lucas 14.25-33). 
A formação de discípulos à imagem de Cristo acontece no contexto da comunidade de fé, não fora dela. Jesus diz: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13.35). É claro que, para Jesus, a marca do discípulo é o amor. No entanto, ninguém pode aprender a amar estando isolado dos demais. Efetivamente, a experiência do amor de Cristo, que segundo Paulo “excede todo entendimento”, só é possível “com todos os santos” (Ef 3.18-19). Só é possível na igreja, “a família de Deus”, onde os discípulos aprendem a amar, e não só a amar, mas também a servir, a orar, a resistir ao mal, a cultivar o bem. Na igreja, o Corpo de Cristo, onde os discípulos descobrem e exercem seus dons e crescem para chegar “à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4.13). Para iniciar o caminho do discipulado é preciso arrependimento, ou seja, uma decisão pessoal que envolve a renúncia irrevogável a uma vida dirigida por Deus e a disposição de identificar-se com Jesus em seus sofrimentos. Aqueles que começam a seguir Jesus só podem avançar em sua peregrinação conforme experimentam a graça de Deus “na” igreja e “por meio” dela.
 C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de 
O Que É Missão Integral?.

terça-feira, 22 de março de 2011

segunda-feira, 21 de março de 2011

A formação de discípulos (parte 1)


Na essência da missão está a tarefa da evangelização. No entanto, não podemos considerar que todos os cristãos concordam com o significado de tal afirmação. Minha intenção é mostrar que a evangelização genuína está a serviço exclusivo do evangelho por meio do que é, do que faz e do que diz. Consequentemente, não visa apenas ganhar convertidos para aumentar o número de membros da igreja, mas também formar “discípulos que aprendam a obedecer a tudo o que Jesus Cristo ordenou a seus seguidores” (Mt 28.20). Neste artigo, e nos três subsequentes, proponho-me a desenvolver essa afirmação em quatro princípios.
 O primeiro é que a compreensão adequada do evangelho é um requisito básico para compreender a evangelização. Evangelizar é comunicar as boas novas, e as boas novas que como cristãos somos chamados a comunicar estão centradas em Jesus Cristo, incluindo sua encarnação, sua vida, sua morte, sua ressurreição, sua exaltação e sua segunda vinda. O evangelho completo inclui todos estes “eventos salvíficos”, como são chamados, e nenhum deles pode ser esquecido sem que nossa compreensão do evangelho seja afetada.
 Cresci num lar evangélico e dou graças a Deus por minha herança evangélica. Entretanto, com o passar do tempo, reconheci que minha compreensão do evangelho era inadequada: havia aprendido que a salvação é pela graça, por meio da fé, “é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8-9), mas não havia aprendido que “somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (v. 10). Em outras palavras, havia recebido um evangelho que enfatizava os benefícios da salvação, mas deixava de lado o propósito que Deus quer realizar por meio de seu povo, no qual eu me incluo. Na prática, havia recebido um evangelho incompleto.
 Posteriormente, percebi que minha falta de uma compreensão adequada do evangelho resultava do tipo de evangelização mais ou menos comum nos círculos evangélicos do meu país: uma evangelização que se especializa na “salvação individual”, entendida frequentemente como uma experiência subjetiva de perdão de pecados, mas que tem pouco ou nada a dizer sobre “a vontade de Deus de conduzir a humanidade à comunhão com ele, reconciliar os membros da raça humana entre si e restaurar toda sua criação, conforme seu propósito original”.
 Quando entendi minha própria salvação à luz do propósito eterno de Deus, ficou claro que não fui salvo para ser feliz, ou para ter sucesso material, ou para livrar-me do sofrimento, mas com o fim de cooperar com Deus, ainda que modestamente, no cumprimento de seu propósito na história. E percebi a importância de me ver como membro do Corpo de Cristo e, como tal, uma pessoa chamada a participar na missão de transformar o mundo de modo que reflita a glória de Deus, a justiça e a paz do reino que se fez uma realidade presente na pessoa e obra de Cristo Jesus. A evangelização integral só é possível sobre a base do evangelho integral.

Revista Ultimato -  
Traduzido por Wagner Guimarães - C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral?.

quarta-feira, 16 de março de 2011

terça-feira, 15 de março de 2011

O pescador de leitores !


O dia ainda não amanheceu. Mas Seu Joaquim, experiente com as rédeas, manobra com destreza até estacionar a velha carroça na frente da casa. E sem fazer ruído, que barulho, como ensinou o poeta, de nada resolve...
Às cinco em ponto tem início o ritual de sempre, que há anos se repete com fervor quase religioso. O dono da casa, ainda sonolento, logo aparece. Em vez de ralhar, ajuda o bom homem, que ajeita os sete caixotes e as duas estantes no carrinho de tração animal.
Em minutos, eles tomam o rumo do estádio do glorioso Pirapora Futebol Clube. Passam solenemente por ele, mas não param. Pouco depois a corrida chega ao seu final. O carro para, sem nenhum pudor, no meio da via pública. Homens e mulheres montam ali, ruidosamente, as suas barracas.
É praticamente uma operação de guerra. Sobre as bancas, eles ajeitam, cuidadosamente, as dúzias de laranjas. E os tomates e as verduras colhidas de véspera. Só então a misteriosa carga é, enfim, descarregada. Mas tudo com muito cuidado.
Léo do Peixe está radiante. Saca duas notas de dez reais do bolso e paga pelo carreto. Domingo é dia de feira livre! Durante a semana, Leonardo da Piedade Diniz Filho, pescador profissional, comercializa o resultado do seu trabalho na própria casa. E nos finais de semana, ele faz a feira.
Chova ou faça sol, a freguesia certa sempre aparece pra comprar os peixes que, há duas décadas, ele tira das águas do Velho Chico, no Norte de Minas. Quase em frente à barraca dele, fica a banca da mulher, que vende roupinhas de crianças.
Quando as caixas são, finalmente, abertas, vem à surpresa: ali nada é perecível. Mas, afinal, o que há lá dentro?! Livros! São livros à mão-cheia, que nas horas seguintes serão emprestados, de graça, para quem aparecer por ali com vontade e disposição para ler.
Quando o dia finalmente clareia perto de uma centena de leitores se aglomera diante da inusitada barraca da feira. Em vez de embrulhos com batatas e bananas, o que eles enfiam na sacola é outra categoria de alimento - sim, um alimento para a alma.

Lobato, Machado, Eça, Coelho... Não importam os nomes: muitos vão lá pelo simples prazer de acariciar as obras. Uns lêem por lá mesmo; outros, levam para casa, e só devolvem no domingo seguinte.
É assim, sem qualquer burocracia, que funciona, nos finais de semana, o Clube de Leitura de Pirapora, no Alto do Rio São Francisco. Simples assim!
Tudo começou por uma razão puramente pessoal: o medo que Léo do Peixe tinha de que os filhos pudessem não se interessar pelos livros, já que o pai - este sim, um leitor ávido e apaixonado pela literatura - quase não parava em casa, por causa da rotina de trabalho puxada. Os primeiros leitores foram os próprios filhos. Mas logo apareceram os filhos dos outros feirantes e, hoje em dia, passam de 400 os sócios do clube. Muitos vão à feira só pelo prazer dos livros. Léo até precisou recrutar ajudantes pra dar conta do novo trabalho. Mas vale a pena, ele diz. E tanto que resolveu repetir a experiência em outros cantos da cidade. Como a biblioteca pública local não abre nos finais de semana, o sucesso não tardou. Quando perguntam por que ele faz isso, o pescador de leitores tem a resposta na ponta da língua:

- É que quem não lê acaba virando cidadão de segunda classe...

Por Galeno Amorim , cortesia: Hialmar d'Haese

quarta-feira, 9 de março de 2011

Talmidim

segunda-feira, 7 de março de 2011