Quem quer uma resposta pronta não encontra no cristianismo seu melhor caminho. Depois de seguir o eclesiastes em sua peregrinação existencial, peço licença para refletir sobre três dimensões da vida, três modos de viver. São a dimensão do problema, do paradoxo e da perplexidade, que me foram ensinadas por Osmar Ludovico. Estamos na dimensão do problema quando tentamos controlar o mundo e a vida como se fossem uma máquina com engrenagens a serem ajustadas ou modificadas. Estamos ainda acustumados a tratar a vida assim. Se o carro está com problema procuramos um mecânico. Se o problema é o pneu, procuramos o borracheiro. Se o coração não bate como deveria, procuamos o cardiologista. É simples. Esses profissionais sabem como a vida funcionam. Eles identificam o problema, trocam ou concertam a peça com defeito e tudo volta ao normal. Nem sempre o problema se resolve com uma peça nova ou um remédio. Se o problema é autoestima, só precisamos ouvir com atenção para identificar a emoção danificada e propor rotinas mentais para restabelecer a ordem. Neste caso não há ferramentas, mas a idéia é a mesma: identificar a engrenagem faltosa e substituí-la. Por estarmos acustumados a essa dimensão, tendemos a tratar tudo da mesma maneira, colocando no mesmo saco carros com defeitos pneus furados, corações descompassados e emoções desvirtuadas. Problema identificado, prescrição feita, problema resolvido. Mas o mundo não tão simples assim. Na dimensão do paradoxo, percebemos que no mundo há verdades contraditórias – pelo menos na aparência – e que não se pode eliminar nenhuma delas. Por exemplo, a quem queira abrir mão da justiça de D´us e ficar com Seu amor. Há quem queira abrir mão do amor de D´us em favor de Sua justiça. Mas a Bíblia insiste que D´us é amoroso e justo, e não temos a opção de ficar com uma coisa ou outra. Em outras palavras coisas que parecem contraditórias precisam andar juntas. D´us perdoa e Sua Graça é abundante, mas isso não quer dizer que ninguém será jusgado e condenado. A Bíblia insiste que haverá condenados, apesar da Graça e do perdão de D´us. Parecem coisas contraditórias, mas ambas coexistem sem problemas dentro de D´us. É paradoxo. Na dimensão da perplexidade, é mais fácil compreender do que explicar. É muito natural compreender os efeitos de um beijo de amor, mas é muito difícil explicar os sentimentos e sensações. Por um lado a experiência é clara e bem definida. Por outro, a experiência não faz um ouvinte experimentar as mesmas sensações. A perplexidade é a dimensão em que há admiração, êxtase, alegria. Diante de um pôr do sol, de uma obra de arte ou da pessoa amada, não estamos lidando com problemas ou paradoxos. Estamos perplexos. Temos que aprender a viver nas três dimensões, e não em apenas uma delas.
A linguagem do problema é a linguagem do engenheiro, do físico e do matemático. A linguagem do paradoxo é a linguagem do filósofo, do teólogo e talvez até do psicólogo. E a linguagem da perplexidade do poeta, do amante, do afeto; é a voz do coração, do encantamento, do deslumbramento e do queixo caído. Algumas coisas podem ser organizadas e administradas na dimensão do problema, outras na dimensão do paradoxo, mas há coisas com as quais lidamos apenas na dimensão da perplexidade. Somente a fé nos faz caminhar entre os problemas, paradoxos e perplexidades sem muito risco. O universo é inteligente porque D´us é racional, (duvido! comentário meu, Julio Vallim, mas continuemos) mas é preciso ter fé nessa racionalidade para compreender o cosmos. A vida está cheia de eventos aleatórios, e é preciso ter fé par conviver com o aleatório.
De que nos valemos na perplexidade? Da fé. Em que termos afirmamos em que obedecer os mandamentos de D´us é um caminho de vida? Nos termos da fé. Por que afirmamos que a Bílblia Sagrada é a revelação de D´us aos homens? Por causa de fé. Como dizemos que por traz de todo esse universo existe um D´us? Com base na fé. Tenho a impressão que estamos sempre correndo, só para constatar o óbvio: só nos satisfazemos na vida vivendo em fé. Somente vivendo em fé, somos completos e experimentamos tudo o que a vida tem para nos dar. É por esse motivo que a Bíblia ensina que “ sem fé é impossível agradar a D´us”, pois é “ imprescindível que aqueles que O buscam creiam que Ele existe e que é bom” Heb. 11.6 Assim, vou viver e pensar e refletir de maneira humilde. Vou viver e me entregar à vida, mas pedir que D´us modere a minha coragem de viver. Vou viver, mas em temor a D´us e andando com reverência diante dEle. Vou viver e me submeter a Ele, mas de maneira inteligente com o que aprendo na Palavra. Vou viver e crer que, por trás de todas as realidades, há um D´us. É nesse caminho de fé que pretendo encontrar meu próprio caminho.
Resposta pronta é exigência de quem ainda tem medo de viver por fé. O Eclesistes não era medroso. O Eclesiastes não era covarde.
Fonte: “O livro mais mal-humorado da Bíblia” – Ed René Kivitz – Ed. Mundo Cristão.
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