terça-feira, 1 de setembro de 2009

"Jovens perdem fé na escola"


Estudo mostra que os jovens latino-americanos das periferias não acreditam que a escola pode melhorar sua vida.


O volume da música é alto no fone de ouvido do iP od de Juliana (nome fictício*), 15 anos. A jovem caminha pela rua onde mora, no bairro Pilarzinho, em Curitiba, na busca de um futuro que nem mesmo ela sabe onde encontrar. Sem trabalho, nem emprego, Juliana resolveu abandonar seus estudos no ano passado, quando cursava o 1.º ano do ensino médio, na Escola Estadual Emiliano Perneta, a mais próxima de sua casa. Caçula de sete filhos de uma catadora de papel sem estudos, a adolescente até pensa em voltar para a escola e tentar uma vida melhor. “Não quero que seja a mesma (escola). Aqui é muito fraco, nunca vou conseguir passar no vestibular”, diz.

Escolha parecida fez o entregador Cristiano, 21 anos, morador de Colombo, na região metropolitana. Há quatro anos foi convidado a trocar de colégio, quando frequentava a 6.ª série, após ter brigado com o professor. Pai recente de uma menina de 6 meses e com um emprego que lhe garante o sustento, não se arrepende de ter abandonado os estudos. “Não acho que vou ser melhor ou pior se for ou não para a escola.”

Cristiano e Juliana fazem parte de uma juventude que resolveu deixar os bancos escolares porque não acredita mais que concluir o ensino básico ajuda a melhorar de vida. Essa tem sido a visão de mais da metade dos jovens latino-americanos que vivem na periferia de grandes cidades e abandonaram a escola. É o que mostra um estudo do professor e pesquisador Gon¬zalo Saraví, do Centro de Inves¬tigações e Estudos Superiores em Antropologia Social, no México.

A pesquisa foi publicada neste mês na revista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Criada em 1948, a Cepal é uma das cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas (ONU) que monitoram políticas de desenvolvimento.Segundo o estudo, dois em cada dez jovens brasileiros entre 15 e 24 anos abandonaram a escola e estão sem emprego (veja mais na tabela). A pesquisa mostra ainda que mais de metade dos jovens entre 20 e 24 anos não têm 12 anos de estudo. O tempo é considerado mínimo pela Cepal para evitar a pobreza.

Abandono

Apesar de avanços conquistados no acesso à educação, os países da América Latina ainda sofrem com as altas taxas de evasão escolar. Segundo o autor do estudo, que vive no México e respondeu às perguntas da Gazeta do Povo por e-mail, os jovens estão descrentes de que o mercado de trabalho assegura uma vida melhor, principalmente em função dos baixos salários e do subemprego. “São vulneráveis. Nem todos são delinquentes ou usam drogas. São jovens que não sabem o que fazer e não têm muitas oportunidades”, afirma.

O assistente de eletricista Tiago Santana da Luz, 20 anos, é um exemplo típico. Aos 18 anos, resolveu abandonar os estudos pela terceira vez. Estava na 5.ª série, no início da adolescência. Resolveu ajudar seu pai, que é eletricista. “O trabalho não é muito bom, mas é melhor do que estar na escola.”

Consumo

Saraví ressalta que o desinteresse pela escola por parte dos jovens gera um quadro de fragmentação social, em que o individualismo é reforçado e o consumo de bens materiais tem sido adotado como símbolo de identidade e inserção na sociedade. “Os jovens menos favorecidos também sofrem a pressão do consumo, o que gera angústias, frustrações e outros males, que podem se manifestar como problemas sociais.”

A pressão pelo consumo é outro dos muitos fatores que explicam a alta taxa de evasão dos jovens no ensino médio. A diretora da Escola Estadual Emiliano Perneta, Sandra Capelão, reafirma essa tendência. A escola é a mesma para onde Juliana não quer retornar. “Não tinha uniforme e não me sentia bem por causa disso. Minha mãe não tinha dinheiro para comprar”, diz a adolescente.

Outros fatores também são apontados pelo autor da pesquisa como responsáveis pela evasão, como a falta de segurança e ensino pouco atraente. “Sozinha a escola não resolve o problema. Os governos precisam adotar políticas de revalorização da educação, de modo que fortaleça a escola pública para que não seja sinônimo de lugar para pobres”, diz.

* Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.
Gazeta do Povo 30/08/2009  - TATIANA DUARTE

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