sábado, 22 de maio de 2010
"O Seqüestro da Subjetividade" Parte 1
O seqüestro do corpo refere-se primeiramente ao aprisionamento material da pessoa. É o corpo que é aprisionado, e o corpo é matéria, é concreto, manuseável. O primeiro passo, portanto, é a condução violenta do corpo para o cativeiro, lugar também material. A diferenciação que agora faremos tem como objetivo apenas um favorecimento didático. Tratar do seqüestro da subjetividade na comparação com o seqüestro do corpo não significa que estamos fazendo uma ruptura entre a materialidade do ser humano e sua subjetividade. Não queremos compartimentar as duas realidades, tampouco legitimar no nosso discurso a perspectiva platônica de que o corpo é a prisão da alma. Sabemos que com o aprisionamento do corpo toda a subjetividade sofre também. Este sofrimento é imediato, porque é brutal. É o corpo que é roubado, levado de seu lugar e seus significados. Já no seqüestro da subjetividade nem sempre há sofrimento imediato do corpo. O que há é o sofrimento psicológico que, com o tempo, refletirá no corpo. Por ser um processo mais lento, o seqüestro da subjetividade pode, num primeiro momento, ser sinônima de prazer, satisfação, porque o corpo não é subjugado a maus tratos concretos, como no caso do seqüestro da materialidade. Há casos de seqüestro da subjetividade que desembocam em violências físicas também, mas tais violências não fazem parte do processo inicial, porque o seqüestrador não poderá seduzir sua vítima pela força da violência, ao contrario, inicialmente será dócil, cortes, gentil e usara de todas as artimanhas para que a sedução seja bem-sucedida.
Recordo-me de uma cena belíssima do filme “Um sonho de Liberdade”, quando o personagem principal é submetido ao sofrimento da solitária. Um mês depois ao sair do terrível castigo que lhe foi imposto, alguém o interroga de como foi possível suportar todo aquele tempo de silencio e solidão. Curiosamente ele respondeu que ouvia música o tempo todo e que isso ajudou o tempo a passar. Indignado, aquele o questionara recorda que na solitária não há aparelho de som, e o personagem sabiamente conclui que não precisava de aparelhos de som para ouvir músicas, pois elas já estavam dentro dele. (conteúdos validos, utilizados na crise do seqüestro). Outro exemplo interessante, e que também esta no mesmo filme, é a historia do velho que cuidava dos livros no presídio. Este velho, alguns dias depois de alcançar a liberdade, enforcou-se. Durante toda a sua vida ele foi prisioneiro e, ao se tornar livre, descobriu que não sabia viver longe das grades. Ele não aprendeu a ser livre, e por isso resolveu morrer depois de perder o direito de ficar na prisão.
Há prisões que são mais que paredes e celas. Há prisões que não são concretas, e por isso não há nada que possa concretamente ser quebrado. No seqüestro do corpo há um cativeiro localizado que precisa ser aberto. Já no seqüestro da subjetividade os cativeiros não possuem localização para que possamos chegar pela força de nossos pés. Trata-se de uma prisão mais sutil, mas nem por isso menos cruel. É importante termos claro que o seqüestro di corpo é uma realidade menos comum, mas o seqüestro da subjetividade é um fenômeno que há todo momento acontece em nosso meio: ou porque estamos seqüestrando, ou sendo seqüestrados. O que podemos perceber é que a estrutura social em que estamos situados é fortemente marcada pelas relações que seqüestram. É seqüestro da subjetividade tudo aquilo que nos priva de nos mesmos. Até mesmo nas pequenas realidades, as mais simples, há sempre o risco de que estejamos abrindo Mao de nossos valores em detrimento da vontade de seqüestradores que em nada estão comprometidos com nossa realização humana. É seqüestro da subjetividade todo o processo que neutraliza e impede o ser humano de conhecer-se, passando a assumir uma postura ditada por outros. É seqüestro da subjetividade a projeção da vida humana em metas inalcançáveis, costurada a mentalidade de que as pessoas são perfeitas e que há sempre um final feliz reservado, pronto para chover do céu sobre nossas cabeças. Mas é também seqüestro da subjetividade a projeção da vida humana a partir de metas rasas, em que a mediocridade é a regra a ser considerada e o pessimismo antropológico é a conseqüência. É seqüestro da subjetividade a redução da experiência religiosa ao horizonte histórico, dissociado de uma esperança que extrapole a experiência do tempo, assim como também é seqüestrado da subjetividade a experiência religiosa que esquece o cheiro humano da dor, da desesperança e que se limita a promessas de um céu futuro, sem implicações históricas.
É seqüestro da subjetividade cada vez que o coletivo prevalece sobre o particular, massacrando-o em vez de incorporá-lo como parte irrenunciável. Mas é também seqüestro da subjetividade cada vez que o sujeito é valorizado em detrimento de uma multidão que perde a voz para que ele possa gritar sozinho. É seqüestro da subjetividade quando alguém, no exercício de imaginar, projeta outro como personagem, e com ele estabelece uma relação baseada na falsidade que despersonaliza e aprisiona. Jura a promessa de um amor eterno que se desdobra em cruel forma de prisão. É seqüestro da subjetividade toda relação de trabalho que seja marcada pelo desrespeito à dignidade do trabalho que seja marcada pelo desrespeito à dignidade do trabalhador, forçando-o a se tornar mero mecanismo de produção, desconsiderando sua condição de ser humano que merece descanso e remuneração justa. É seqüestro da subjetividade cada vez que, no processo educacional, as crianças são submetidas á pedagogia do medo e o aprendizado se torna um fardo, deixa de ser um desejo. É seqüestro da subjetividade cada vez que o sujeito é desconsiderado como organismo vivo, colocado na condição de mecanismo, objeto manuseável...
Isto é seqüestro da subjetividade... reflita nisso!
Fonte: Livro - “Quem me roubou de mim” de Fábio de Melo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Se tenta...dando pé a gente põe!